quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O francesismo pelotense

 (parte 1/2)


 

         Toda cidade tem suas lendas urbanas, e Pelotas não é diferente das demais. Talvez até possamos dizer que as tenha em maior quantidade que outras cidades.
         As lendas urbanas pelotenses que conhecemos, algumas já com variantes, são tantas que é impossível nominá-las sem corrermos o risco de outras não o serem.
         Uma dessas e talvez a principal razão de sua existência tenha sido a riqueza cultural produzida, graças ou melhor dizendo infelizmente pelo charque manufaturado por mão de obra escrava e a exploração de poucos sobre muitos, é a de que o homem pelotense se afeminou, ao ponto de usar renda e babado em seu vestuário, pelo fato dos filhos dos “pataqueiros da aristocracia do sebo” quando de regresso de Paris, cidade onde iam fazer seus estudos, de lá terem trazido tal moda.
         Ora, supondo que em Paris tivessem ido estudar os filhos dos charqueadores, não seria em número tão expressivo ao ponto de servir de motivo para o surgimento da lenda.
         Temos dito, e o nosso dito é documentável, que Pelotas não foi a Paris (leia-se França), e sim que Paris veio a Pelotas, tanto quanto a França foi, na época, a qualquer outra cidade que tivesse poder econômico e interesse em adquirir seus produtos.
         Sem considerarmos os viajantes que por Pelotas estiveram, é importante levar em conta o expressivo número de franceses que em Pelotas aportaram e viveram em especial no período compreendido entre os anos 70 e 80 do século XIX.
         No início dos anos 80 do século XIX, a colônia francesa de Pelotas, em número superior a duzentas pessoas, encaminhou uma representação ao Sr. cônsul geral da França no império do Brasil pedindo a criação de um vice-consulado nesta cidade.
         A iniciativa partiu dos Srs. Ambrozio Perret e João Peres e, nesse documento, foi indicado, por acordo de todos os signatários, o nome do Sr. Leopoldo Jouclá para o cargo de vice-cônsul.
         Grande parte desses franceses, quase todos artesãos e ser considerado artesão ou artífice no passado tinha um significado mais amplo do que atualmente, participaram, cada qual com sua arte, para o processo de modernização de Pelotas, que começou a ocorrer a partir da década de 70 do século XIX.
         Dentre as múltiplas atividades que esses franceses aqui desenvolveram podemos destacar o fabrico de malas, águas gasosas, seges, ourivesaria, fotografia, e tantas outras como bem podem ser observadas nos anúncios feitos publicar nos jornais da época.
         A influência francesa no cotidiano da cidade de Pelotas sem, é evidente, esquecermos outras influências - e, dentre essas as das etnias africana, italiana, alemã, inglesa e outras -, pode ser percebida nos diversos momentos do processo de modernização, que a imprensa tratou por “progresso”, principalmente para denunciar e reclamar contra os atos de sevícias praticados contra os escravos do mundo rural e urbano, um claro exemplo de contraste entre civilização e barbárie.   
         Embora hoje, a presença de um jardineiro para cuidar da Praça Pedro Osório, pareça um ato banal e de menor importância, é preciso considerar que este acontecimento se deu no ano de 1877, quando o Sr. G. Beauvallet, floricultor habilitado e premiado em diversas exposições francesas como atestavam algumas honrosas medalhas que possuía, tendo se desempregado da quinta [propriedade rural com moradia] do finado Sr. Francisco Annibal Antunes Maciel, unicamente, em consequência da morte daquele cidadão, enviou um requerimento à Câmara Municipal, no qual se propunha a ajardinar a Praça Pedro II [atual Pedro Osório], mediante um razoável ordenado mensal, que lhe fosse arbitrado.
         Com a contratação do jardineiro francês em novembro daquele mesmo ano, Pelotas poucos meses depois teve, e por primeira vez, um jardim público.
         É também naquela mesma década, anos 70, que se pode encontrar  na imprensa pelotense o anúncio da Fábrica de Seges Ferdinand Jantzen, no qual podemos ler ser esta fábrica “uma das primeiras desta cidade”. Sege era uma antiga carruagem fechada, de duas rodas, varais e um só assento, com a frente fechada por cortinas ou vidraça e puxada por dois cavalos. Por extensão qualquer carruagem.
         O Sr. Jantzen fabricava também tílburis, ônibus, carroças e carretinhas e sua oficina contava com numerosos clientes tanto na cidade quanto na campanha.
         Na fotografia podemos citar o Sr. Carlos Serres & Irmão que, nos anos 80 do século XIX, anunciava se ter mudado para a Rua Andrade Neves além de outros fotógrafos tais como o Sr. Amoretty, nascido no Brasil mas de ancestralidade francesa, o  Sr. Baptista Lhulhier, o multifacetado Dominique Pineau e outros.
         Agora, havendo necessidade de um cabeleireiro parisiense para  obter um “coque da última moda”, bastava ir ao salão do Sr. Gedéon Paul Boiteux na Rua General Neto nº 24 e lá encontraria o que precisasse.
         Caso o cavalheiro pelotense quisesse vestir-se a francesa poderia ir “Aos l.000 Paletots”, loja de propriedade do Sr. Miguel Ardito recém- chegado de Paris e que tinha a honra de participar ao público e aos seus fregueses, que acabara de abrir à Rua São Miguel [atual 15 de Novembro] nº 107 uma casa especial de artigos para homem, todos de superior qualidade e confeccionados pelas melhores casas de Paris.
         Não quisesse o cavalheiro comprar a varejo, desejando comprar em maior quantidade ou mesmo estabelecer um estabelecimento com artigos de Paris, poderia fazê-lo através do catálogo dos grandes armazéns de novidades “Au Printemps”, de propriedade de Jules Jaluzot & Cie., com várias filiais em Paris, catálogo impresso em português e francês, que mandavam seus produtos “livres de gastos de transporte para todos os países do mundo”. O catálogo impresso em português não era somente uma prática dos Srs. Jules Jaluzot & Cie., havia muitos outros grandes magazines que o faziam, assim como tinham representantes em vários estados do império brasileiro e, em especial no Rio de Janeiro, aliás cidade com a qual Pelotas mantinha estreitos vínculos e que muito influenciou nos hábitos e costumes de Pelotas.
         Em caso do cidadão pelotense, ou pelo menos os que pudessem se dar a tal refinamento, ainda não falasse o francês, quem sabe umas aulas com Madame Delouche Pineau, com diploma de primeira ordem da academia de Poitiers (França), para o lecionamento de sexo feminino, que se encarregava de dar lições de francês em casas particulares e em sua residência à Rua 24 de Outubro [atual Tiradentes], entre as Ruas Andrade Neves e General Osório. Já as meninas pelotenses, dentre outros colégios estabelecidos por franceses, poderiam fazer sua educação no Colégio de Madame Jeanneret, estabelecido à Rua São Miguel [atual 15 de Novembro] nº 151, onde encontrariam os professores Bernardo Taveira Júnior, José Henrique Lara Ulrich, Frederico Trebbi e Madame Fulcher ou quem sabe aprontar seu filho para os exames preparatórios completos para as academias do Brasil, o que poderia ser feito no Colégio Francês do Monsieur Charles Bachelery, que se mudara de Porto Alegre para Pelotas e instalara-se no sobrado do Sr. major Arruda, bem próximo do Fragata.

        

 

                                                                                                                                                                                                     Continua....

 

 

 

 

 


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Ilustrações: acervo da Bibliotheca Pública Pelotense

Revisão do texto: Professor Jonas Tenfen

Tratamento de imagens: Bruna Detoni

 

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