sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A modernização das charqueadas pelotenses

        
         O redator da Gazeta de Porto Alegre,  quando de sua visita a Pelotas, ano de 1880, logo fazendo publicar uma série de artigos nos quais descreve de forma otimista o progresso da cidade desde sua visita anterior, o que ocorrera na década de 60 do mesmo século.          Quase no final da descrição, diz ele haver  no entanto um lado escuro “neste quadro de luz e brilho...”: eram as charqueadas pelotenses, que constituíam a principal fonte de riqueza da “florescente cidade”e ainda trabalhavam nas mesmas condições  do começo daquele século.
         Nenhum dos modernos melhoramentos era ali adotado, fervia-se a graxa “hoje” como há 50 anos, em tinas de madeira, consumindo 36 horas num serviço que cilindros de ferro levariam de 5 (cinco) a 6 (seis) horas.
         Encerrando, se perguntava: “Quando teremos ocasião de noticiar algum progresso nesse ramo da indústria provincial?”. 
         Quatro anos antes da visita do jornalista da Gazeta de Porto Alegre, ano de 1876, Pelotas contava com 29 estabelecimentos de charqueada em funcionamento, quais sejam: Domingos Soares Barbosa, Wenceslau & Ribas, Cunha & Teixeira, Joaquim Rodrigues, Brutus & Evaristo, viúva Guilherme, Bernardino Almeida, Jacinto Antônio Lopes, Lúcio Lopes, Heleodoro Filho, Felisberto José Gonçalves Braga, Joaquim da Silva Tavares, Joaquim Rasgado, Porfírio Honório da Silva, João Gonçalves Lopes, Francisco Lobato, Barcelos & Irmão, João Maria Chaves, José Gonçalves Lopes, Joaquim José de Assumpção, Moreira & Campos, Francisco Costa, Evaristo & Gonçalves, José Simões Braga, Cunha & Belchior, visconde da Graça, barão de Butuí, Moreira & Neto e o de Antônio J. de A. Machado Filho.
         Dentre as charqueadas da época, pelo menos no período de 1875 a 1884, parece ter sido a de Junius Cássio Brutus de Almeida, filho de Domingos José de Almeida, se não a primeira uma das principais charqueadas de Pelotas; e, em função disso, vamos dar uma visita ao local e ver como estava, em janeiro de 1884, o estabelecimento do Sr. Junius Almeida, administrado por seu irmão, Sr. Bernardino Bráulio de Almeida.         A charqueada estava localizada na margem direita do Arroio Pelotas, no lugar denominado de Costa.
         O estabelecimento possuía duas (2) mangueiras, um curro [cercado junto ao gado] e um brete [lugar onde o boi era abatido].
         Logo em seguida estava a casa destinada a carnear, tendo próximo o galpão do charque, onde os quartos dos animais abatidos eram colocados em ganchos, tendo em frente os varais para o charque.
         Neste serviço, eram empregados quarenta e tantos homens entre escravos e livres.
         Ao pé, estava a casa da salga, tendo 5 (cinco) mesas para salgar e uma pilha de carne já preparada, empregando na salga 20 (vinte) homens.         Dali se passava para o galpão onde salgavam os couros, tendo logo à entrada um grande tanque para a salga, cabendo dentro deste entre 300 (trezentos) e 400 (quatrocentos) couros.
         Abaixo do tanque, ficavam as pilhas de couros já preparados, cabendo ali em torno de 12.000 (doze mil) couros prontos para embarque.
         No galpão da graxeira, havia 2 (dois) cilindros de fabricação nacional, procedentes da Fundição Dias.
         Havia um pequeno motor, também de fabricação nacional, para alimentar com água os cilindros.
         Ao pé, uma bomba aspirante movida à mão, que era utilizada nas ocasiões em que o pequeno motor estragava.
         Ao redor dos cilindros, estavam cinco grandes tinas de madeira para fabrico da graxa, cabendo em cada tina a ossamenta de 200 (duzentas) a 300 (trezentas) reses, onde gastavam de 36 (trinta e seis) a 40 (quarenta) horas para produzirem a graxa e, para tal, eram empregados 10 (dez) homens.
         Bem próximo, havia duas outras tinas, iguais , para o sebo, tendo ao lado destas dois tanques cimentados para lavagem desse.
         Havia um depósito de graxa refinada, onde tinha duas caldeiras de ferro, cabendo em cada cerca de 80 (oitenta) arrobas de sebo, e perto estavam os varais para dependurar as bexigas.
         O sebo não refinado era embarricado. Uma rês podia render de gorduras de 28 a 34 libras, e uma barrica comportava o peso de 14 a 16 gorduras de reses.
         Havia também uma prensa, de madeira, para extrair a graxa da carne cozida.
         Os ossos serviam para alimentar as fornalhas, evitando assim um enorme e dispendioso consumo de lenha. As cinzas eram aproveitadas.
         Passando-se a outro galpão, destinado à salga de carne, encontrava-se um tanque para salgar costelas e, próximo deste, no pátio anexo, havia outro tanque igual, cabendo em cada de 500 a 600 costelas. Estes tanques eram cimentados.
         No mesmo pátio, havia diversos tendais [varais nos quais se estendia o charque] onde ficavam os cavacos [pequenos pedaços de carne].
         Dali, se passava para o armazém do sal moído, que comportava no máximo 30 mil alqueires de sal e, desse, para o galpão do sal grosso, que tinha capacidade para armazenar 50 mil alqueires de sal.
         A atafona [engenho] para moer sal, era de fabricação nacional, feita de madeira e em Porto Alegre, e movida por um animal. Estava localizada perto do armazém de sal moído.
         A fim de simplificar, e tornar o serviço “agradável”, a charqueada tinha por toda a parte uma linha de trilhos cortando o terreno em diversas direções.
         Nos locais destinados à matança, ao charque, nas graxeiras e outras, havia canos de esgoto, que conduziam os detritos ao Arroio Pelotas, simplificando assim a limpeza, que era feita com frequência.
         O estabelecimento possuía 10 (dez) carroças com molas, 6 (seis) carroças de 2 (duas) rodas, que eram conduzidas à mão, e cerca de 20 carrinhos de mão, de 1(uma) só roda.
         Empregavam-se na charqueada 12 (doze) pessoas livres e 80 (oitenta) escravos.
         No pátio de entrada, existiam  2 (duas) grandes colunas de cimento e oito colunas de madeira, para colocar o charque, e varais para 1.600 reses.
         Em pequenos compartimentos, ficava a peça das ferramentas, o paiol dos mantimentos e o escritório.
         Num galpão próximo ao Arroio, havia uma prensa, para prensar carne em fardos de 4 arrobas cada, pelo sistema platino que podia enfardar, diariamente, 200 fardos e, neste serviço, era empregado 10 (dez) pessoas.
         Na época, ou pelo menos até janeiro de 1884, somente 2 (dois) estabelecimentos de charqueada possuíam tal prensa.
         Foi dito por todos aqueles que visitaram a Charqueda do Sr. Brutus de Almeida, que nela reinava o asseio e a presteza no serviço.
         Anualmente, eram ali abatidas de 20 a 27 mil reses.
         Tinha também naquela charqueada uma grande casa de moradia, cocheira, hospital para escravos, cozinha, senzalas e casa para o capataz.
         O Sr. Brutus Almeida estava contratando a construção de um cais de tijolos, onde facilmente atracariam os barcos que ali fossem carregar os mais diversos produtos.
          
                 
Fonte de consulta: Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen        
Tratamento de imagem: Bruna Detoni

Nenhum comentário:

Postar um comentário