terça-feira, 13 de outubro de 2015

Os alemães e teuto-brasileiros na indústria pelotense do século XIX

A fábrica de guano do Sr. Gustavo Elst


O Jornal do Comércio de Porto Alegre, no mês de setembro de 1883, em matéria na qual comentava longamente sobre o progresso da cidade de Pelotas, nos diz a certa altura que quanto à indústria folgava em reconhecer ser esta cidade uma das mais adiantadas da Província.
Informava o redator do jornal, que o Sr. Gustavo Hugo Elst, industrialista infatigável, e de “fina educação”, fora completar com a instalação de uma fábrica de guano [adubo preparado artificialmente com substâncias orgânicas, rico em fosfato e nitrogênio] a indústria bovina do rico município de Pelotas.
Em matéria anterior, publicada por volta do ano de 1880, este  mesmo jornal, sem entrar em maiores detalhes, registrava a presença da fábrica de guano já existente em Pelotas. Nesta reportagem, que nos serve de aporte para este artigo, é dito que antes da presença da fábrica as charqueadas atiravam ao rio [arroios e canal], aos pântanos e aos vastos campos da Costa todos os produtos, que passaram a ser aproveitados para o fabrico do guano, da farinha de osso, da refinação do açúcar, da graxa, do azeite [óleo] de mocotó e de muitas outras necessidades que, habilmente, estava desenvolvendo o Sr. Gustavo Hugo.
A grande fábrica de guano do Sr. Elst estava situada na Costa, no centro das charqueadas, desde o ano de 1877, ano de sua inauguração.
Este possuía dois pequenos vapores [barco movido por máquina de vapor] que serviam para rebocar os navios que transportavam os produtos bovinos. Empregava 60 homens e estava exportando, consideravelmente, para o exterior o guano de fígado, de osso, a graxa, o fino azeite de mocotó e até, na época, línguas e mãos de vaca preparadas [acreditamos que fosse uma espécie de conserva aos moldes das línguas, que eram em conserva].
Dentre todas as oficinas importantes da instalação, a que mais se destacava atraindo a atenção dos visitantes era a de preparar a graxa.
O processo empregado nas charqueadas que levava 48 horas, tempo necessário para cozinhar o osso, na fábrica do Sr. Elst era feito em 4 horas e de forma que não se perdesse um só resíduo, sendo tudo aproveitado.
A fábrica de guano foi vista pelo jornalista, no período de sua estada, como um dos maiores “e mais notáveis melhoramentos” ocorridos na cidade de Pelotas.
Em fevereiro de 1885, o Sr. Maximino Zerzedelo jornalista que acompanhou a visita de Suas Altezas, princesa Isabel e conde d’Eu, afirmou  em uma série de artigos enviados à imprensa,  ser Pelotas a mais rica e importante cidade da Província e que era, sem dúvida alguma, a mais industrial sob todos os pontos de vista.
Começando pelas charqueadas, a indústria estendia-se nos seus diversos ramos até a fabricação de vassouras e de tudo o mais que pudesse engrandecer um país que, como o Brasil, possuía as maiores riquezas.
Sobre o fabrico de guano artificial do Sr. Gustavo Elst, que prestava um grande serviço, além da utilidade no saneamento da cidade, aproveitando os miúdos do boi, antes atirados ao Canal São Gonçalo e ao Arroio Pelotas, para, através de um processo criado por ele, extrair o guano e outros produtos industriais de valor.
A matéria prima utilizada na fábrica do Sr. Elst, como já dito, era proveniente das charqueadas. O fígado e outras partes do boi, até então não aproveitados, eram cozidos a vapor depois de cortados aos pedaços e expostos ao sol, em grande terreno, obtendo assim certa consistência, sendo depois recolhidos ao armazém, onde eram depositados e ali permanecendo durante certo tempo, sendo a matéria prima depois levada a um torrador feito de tijolos, com chapa de ferro.
Atingido certo ponto da torração e seco, o material era submetido ao secador, de onde, por meio de um elevador passava para as peneiras, onde era classificado conforme as dimensões. O guano grosso ia para os moinhos a fim de ser transformado em farinha, voltando depois para as peneiras onde era clarificado e preparado para o embarque.

Preparo do óleo de mocotó
As patas dos bois, vindas das charqueadas, eram preparadas da seguinte forma:
Os mocotós [patas de boi sem os cascos] separados das canelas iam aos digeridores e ali ficavam expostos à pressão de vapor durante hora e meia; passado este tempo, colhia-se a gelatina, e a seguir, o óleo.
A gelatina ia, por meio de tubos, para um depósito que estava localizado a certa altura. Deste depósito, ia então para uma grande caixa, forrada de cobre, onde se procedia à evaporação, passando logo depois para outro depósito, onde ficava o tempo necessário para descanso.
Passado aquele tempo, tiravam a gelatina clara e limpa para as formas de metal, que a fábrica tinha em grande quantidade e que eram colocadas sobre grandes mesas de ferro.
Nessas formas, a gelatina coagulava, sendo em seguida cortada em pedaços de quadrado oblongo [alongado] e depois estendida sobre redes. As redes, depois de cheias eram colocadas em um vagonete e, por meio de um elevador, subiam ao andar superior da fábrica, onde eram retiradas e postas em vagões, construídos para tal propósito, em número de 48, cabendo 69 redes em cada.
Ao centro e ao lado do sobrado [construção], havia corredores que levavam ao fundo do prédio, onde estava instalado um ventilador movido por uma máquina de força de 12 cavalos dinâmicos, que dava à roda uma potência de 180 cavalos por minuto, aspirando assim o ar que estava fora do prédio.
Por este modo, obtinha-se  uma corrente de ar, que, passando por entre os vagões e as redes, arrastava consigo a atmosfera, saturada de umidade, que a própria gelatina exalava.
Este mesmo ventilador, expelindo o ar aspirado pelo outro lado e aspirando novo ar, renovava continuamente a atmosfera.
A gelatina ao fim de seis (6) dias estava em estado de ser retirada das redes, salvo algum contratempo, e depois de pronta descia por um tubo para o armazém de depósito, onde procediam ao embarricamento.
O óleo de mocotó era refinado em caldeiras de cobre, com serpentina do mesmo metal e sem processo químico algum, unicamente pelo vapor, o que fazia com que pudesse ser aproveitado, tanto para o tempero da carne como do peixe, substituindo perfeitamente o azeite doce.
As conservas de mocotó eram preparadas com a carne que estava presa às canelas, e o cozimento era feito em latas, contendo os temperos adequados; a conservação era feita por um processo especial desenvolvido pelo Sr. Gustavo Elst.
As canelas eram serradas e limpas, de forma a poderem ser aproveitadas para o fabrico de obras em osso.
A cinco (5) quilômetros de distância, de um estabelecimento a outro, ficava a fábrica de calcinação e continha os fornos adequados e necessários para a calcinação e armazéns, que ocupavam uma superfície de 4.700 metros quadrados, incluindo-se nesta área a fábrica de guano e mocotó. O número de empregados adultos variava de 40 a 50, e 10 crianças.
O pátio, que estava completamente ladrilhado, era cortado por canais subterrâneos que recebiam as águas pluviais e conduziam-nas ao Arroio Pelotas, drenando assim o terreno da fábrica.
Em 1882, o Sr. Gustavo Elst obteve o “privilégio” [autorização] para beneficiar todos os produtos provenientes da pata do animal vacum e, em seu estabelecimento, além do óleo comestível do mocotó, fabricava: gelatina comestível de mocotó em lata e em conserva, carvão animal e cola natural.
Segundo o jornalista, não havia quem ignorasse a importância do guano e os serviços que ele prestava à lavoura, sendo que o Peru, com o seu excelente guano, encontrara no Sr. Gustavo Elst um concorrente de primeira ordem que, em poucos anos, tinha superado com o seu produto, o guano peruano, prestando ainda com a sua indústria um grande serviço à salubridade da cidade de Pelotas, ao aproveitar aqueles subprodutos todos, antes jogados às águas, podendo, daquela forma, por em risco a saúde pública ao causar alguma epidemia. Também era de se levar a crédito do Sr. Elst, ter a sua indústria se  tornado uma importante fonte de renda para o Estado.
O Sr. Gustavo Elst era natural da Alemanha.
Encerrando a matéria, foi anunciado que o Sr. Elst pensava em uma forma de aproveitar o sangue dos animais abatidos nas charqueadas, o qual os charqueadores para nada utilizavam.
Enquanto o Sr. Elst estuda uma forma de aproveitar o sangue dos bois abatidos nas charqueadas, vejamos ao redor de sua indústria o que existia e estava acontecendo, segundo o parecer da comissão encarregada pela Câmara Municipal, formada pelos Srs. Boaventura Barcelos e Manoel Lourenço do Nascimento, através de documento firmado por estes em 1º de agosto de l885, no qual disseram eles que o Areal distava mais ou menos 6 quilômetros da “cidade de Pelotas” e ali notava-se o movimento, animação e vida desenvolvida naquele lugar, onde já havia uma população de 800 (oitocentas almas), com cerca de 100 (cem) habitações, sem contar as charqueadas e o “seu pessoal”; encontrando-se ali 3 (três) ferrarias, 2 (duas) tanoarias, 3 (três) carpintarias, 1 (uma) tamancaria, 10 (dez) tabernas, 1 (uma) farmácia, 2 (duas) aulas públicas, 1 (uma) fábrica de licores, 2 (duas) de calcinar ossos, 1 (uma) de guano artificial e outra de preparar línguas: e, não obstante, os moradores deste arrabalde, parte integrante da freguesia de Santo Antônio da Boa Vista, não tinham um pequeno templo onde pudessem receber “ o pasto espiritual”, visto que estava em completo desmoronamento a casa que servia de igreja. Por todas “estas razões” a Comissão propunha que a Câmara no Relatório que estava prestes a ser enviado à Assembleia Provincial [Estadual], pedisse o produto de meia loteria [estadual], para que a importância recebida fosse aplicada na construção de uma pequena capela onde o povo daquele lugar, tão populoso, recebesse e participasse dos preceitos religiosos.
Bem, pois é...
Em princípios de 1887, o jurisconsulto Dr. Evaristo Ferreira da Veiga, visitando a Província, fez uma detalhada descrição da cidade de Pelotas, trabalho este publicado no jornal Monitor Sul Mineiro, e nos diz o Dr. Evaristo, a certa altura, que Pelotas possuía 1.100 casas de negócio [comércio], e fora do domínio urbano, mas nas proximidades da cidade existiam muitas casas comerciais e 25 estabelecimentos de charqueadas, em que se preparava a carne seca, sendo todas movidas a vapor e empregando-se nelas mais de 1.500 “operários”, ao que parece o Dr. Evaristo não esteve bem informado quanto ao que ele tratou como “operário”, mas isso já é outro assunto.
Os mais importantes desses estabelecimentos, dizia o Dr. Ferreira da Veiga, eram os dos Srs. J. Brutus Cássio de Almeida e o do barão de Santa Tecla.
Nessas 25 charqueadas, abatiam-se, anualmente, 300 mil cabeças de gado vacum, cujo valor excedia de dez mil contos de réis e produziam 18 milhões de quilos de carne seca, 6 milhões de quilos de graxa e sebo, mil toneladas de guano artificial, couros, línguas, chifres e ossos, sendo os ossos pequenos transformados em cinza, que chegava  a mais de 5 (cinco) mil toneladas e que, em barricas, era exportada para a Inglaterra onde a utilizavam no fabrico de louça, atingindo todos esses produtos ao valor de 15 mil contos de réis.
Para o preparo das línguas, havia 4 fábricas e para o do guano uma e seu proprietário [Sr. Gustavo Elst] gozava de privilégio, sendo seu estabelecimento montado com aparelhos modernos, movidos a vapor, empregando nele um número expressivo de operários e, no serviço de recolher os resíduos [matéria prima] das charqueadas era usado um barco a vapor.
 

Fonte de consulta: Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen


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