quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Um sambaqui nas proximidades do Canal São Gonçalo

                                                                                                                   A.F.Monquelat

         Em março do ano de 1890, era anunciada uma importante descoberta arqueológica realizada pelo Sr. Arthur Brusque (1860-1932). Tratava-se de dois crânios e diversos “detritos” indígenas, localizados em um sambaqui, “isto é, em um cemitério indígena”, cerca de meia légua do Canal São Gonçalo, em campos, na época, pertencentes à estância Seixas.

         Entre os objetos encontrados, estavam pontas de flechas, maxilares humanos e de mamíferos, assim como fragmentos de bilhas [vasos bojudos e de gargalo estreito, geralmente deste material, usado para água e outros líquidos] de barro que serviam de sarcófagos aos cadáveres dos índios.

         Foi suposto, por pessoas que examinaram o material achado, que os crânios pertenciam a índios da tribo (como era denominado a época o que hoje se chama de povos indígenas) dos Tapes ou dos Guaranis, “que habitavam estas paragens”.

         Dias depois de anunciada aquela descoberta feita pelo Sr. Arthur Brusque, voltava a ser divulgada a notícia, desta vez detalhando “os detritos”: de cozinha (como cinza, carvão, ossos, etc.) e onde os indígenas costumavam, às vezes, depositar os restos mortais de seus companheiros.

         Um dos crânios estava em perfeito estado e, do outro, apenas a abóbada estava em boas condições; havia também no local do sambaqui pequenos fragmentos de talhas de barro, esporões de aves e peixes, pontas de flechas e etc.

         Dando continuidade às escavações, encontraram alguns fêmures, tíbias e um maxilar de conformação diversa da do crânio que estava em perfeito estado.

         Foi dito que ainda não era possível formar uma opinião definitiva sobre a procedência daqueles ossos; apenas conjecturas, mais ou menos aceitáveis, eram o que apresentavam alguns envolvidos com aquela descoberta.

         Como, porém, as escavações continuariam, era bem possível que fosse achado algum objeto que apontasse para uma conclusão razoável.

         Supunham, até aquele momento, que o sambaqui pertencesse à tribo dos Carijós que, segundo a opinião geralmente mais aceita por alguns estudiosos, ocupavam a parte leste do Rio Grande do Sul, entre as duas grandes lagoas e o oceano.

Índios Carijós em gravura de Ulrich Schmidl 


         Pouco sabiam, no entanto, acerca dos hábitos dos Carijós, pois as opiniões que a esse respeito conheciam eram contraditórias, afirmando alguns que eles eram sociáveis, e outros que os Carijós praticavam a selvageria até a ferocidade. Em face disso, seria de grande valor científico a descoberta de qualquer objeto que lhes pudesse orientar na formação de uma opinião definitiva àquele respeito.

         Em novas escavações realizadas nos campos da estância Seixas, foram encontrados, e embarcados por trem para Pelotas, novos crânios e outros objetos.

         Os crânios, pelas características, identificaram como pertencentes a indivíduos da “raça branca” e, um deles era de representante da “raça etíope”.

         Dentre os vários crânios encontrados, um apresentava largo furo na parte superior, como se tivesse sido atravessado por algum pau ou ferro, e, em outros, notavam-se evidentes sinais de golpes feitos com instrumento cortante.

         Foi encontrada também uma lâmina de ferro, já bastante carcomida pela ferrugem, bem como uns objetos redondos de metal amarelo, que supunham terem sido botões, como os de que faziam uso os soldados.

         Diante daquelas novas descobertas, perdiam-se os envolvidos em conjecturas.

         Sobre a imensa quantidade de ossos contidas no sambaqui, pensavam que, na margem direita do Canal São Gonçalo, tivesse habitado uma tribo de índios antropófagos e que os ossos encontrados fossem os restos dos seus festins canibalescos jogados no lugar onde costumavam fazer tais depósitos.

         Confirmavam aquela suspeita com o fato de estar um dos crânios perfurado e outros com brechas regulares.

         O que, porém, não encontravam explicação plausível, era quanto a presença, naquele lugar, da lâmina de ferro e dos objetos de metal amarelo.

         A teoria mais provável, ventilada na época da descoberta do sambaqui, era a de que nas redondezas tivesse ocorrido um encontro entre forças portuguesas e os índios, e que aos componentes da força portuguesa pertencessem os ossos.

        Faziam parte também dos objetos encontrados algumas pedras avermelhadas, que não sabiam ainda o que fossem, mas que supunham de algum valor, “à vista do seu peso considerável”.


* É pouco provável que o episódio tenha ocorrido entre índios Carijós e portugueses, sendo mais plausível que os índios fossem Arachanes. 




Fonte de consulta e imagens: Bibliotheca Pública Pelotense - CDOV
Revisão do texto: Jonas Tenfen        

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