quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O pecado (parte 1)*



Quando a até então denominada “Pérola do Sul” se transformou em “Princesa do Sul”, por volta dos anos de 1860, agregou a essa metamorfose alguns elementos, se não desconhecidos, pelo menos não institucionalizados, dentre eles o jogo, a prostituição e a feitiçaria.
O progresso e a modernização de Pelotas, uma cidade materialista, se fez acompanhar de um aparato de repressão, que se fazia presente em toda e qualquer manifestação popular. Trabalho sim, diversão não.
Essa repressão, consequência de uma sociedade escravocrata onde poucos tinham muito, e muitos tinham apenas o trabalho forçado, no entanto, não conseguiu evitar que os excluídos da história encontrassem meios de manifestarem outras vontades, desejos e práticas, que não apenas as voltadas para o trabalho e a submissão às regras de uma sociedade, cujo único propósito era explorá-los.
E, como primeiro exemplo de nossa afirmação, trazemos o caso ocorrido na noite de 16 de março de 1875 quando a polícia invade de surpresa uma casa localizada na Rua General Osório, esquina da Rua Santo Antônio [atual Senador Mendonça], casa esta que, segundo o Jornal do Comércio, possuía “o avultado valor de 40$000 réis aproximadamente, em gêneros e armação”.
A inesperada visita da polícia, que não fora convidada, foi motivo suficiente para que o divertimento terminasse, pois a música dispersara-se e as damas assustaram-se.
Dentre os convivas, no total de 15 cavalheiros, diz a notícia, se encontravam alguns moços ali levados pela sua inexperiência, mas de conduta regular, e outros de ocupação e meio de vida duvidosos.
Todos foram recolhidos ao xadrez do quartel da polícia, onde passaram a noite, e noite bem cruel, pois as gargalhadas da “orgia, foram substituídas pela tristeza da prisão”.
Aquela invasão foi efetuada pelos “ativos” Srs. delegado e subdelegado de polícia, major Francisco Nunes de Souza e capitão Manoel Luiz da Cunha, devidamente acompanhados.
No dia seguinte, 16 de março, sendo todos os reclusos chamados, 12 foram postos em liberdade, visto terem exibido provas de sua boa conduta e acharem-se empregados, e 3, “considerados como vagabundos”, seguiram naquele mesmo dia para a cidade de Rio Grande, “como recrutas para o exército ou para a armada”.
Segundo o redator da notícia, a investida das “dignas” autoridades obtivera um feliz resultado; pois , aqueles três homens ainda poderiam vir a ser úteis “a si e a pátria”.
Continuasse, portanto a polícia a fazer suas visitas por aquelas espeluncas situadas em diversos pontos da cidade, onde se juntavam os “vagabundos”, que, por certo, o número de “ratoneiros [gatunos, larápios]” diminuiria consideravelmente, e o “nosso exército e armada” disporiam de mais soldados.

Por causa de uma meretriz

Em consequência de duas punhaladas que no dia anterior lhe desferira seu compatriota José Ferreira Lourenço, falecia, dia 5 de setembro de 1875, na Santa Casa de Misericórdia, o súdito português Joaquim Mendes Ribeiro.
A meretriz Madalena fora a causa principal de tal acontecimento: em casa desta encontravam-se os dois que, depois das agressões verbais, chegaram às vias de fato.

Revira e orgia na casa do Nogueira

Estava lá, ora, pois, o português José de Pinho Nogueira, casado, a dar um maxixe familiar ou uma revira em sua casa, na Rua Conde d’Eu [atual Avenida Bento Gonçalves], tendo como convidados alguns negros e negras cativos, e três negras e um pardo livres, quando os policiais da polícia fixa e da particular, sob o comando do Sr. Souto, entraram e acabaram com a festa.



Para o jornalista do Diário de Pelotas, a família do Nogueira não podia ser considerada decente, pois, do contrário não consentiria em casa uma “revira [dança de negros] composta de escravos”. Além do que, no próprio quarto do “Sr. Nogueira, junto com a esposa dele, foram encontradas 3 negras e um pardo livres!”.
Tendo o Correio Mercantil contestado certas declarações do Diário de Pelotas, quanto a alguns detalhes do ocorrido, revidou este dizendo que, além do Nogueira, três escravos do Manoel J. de Oliveira e um do Antônio Leite terem sido levados presos, a polícia “só se apoderou de duas gaitas e um violão”, que se achavam à disposição no quartel para serem entregues aos seus donos; agora, quanto a bebidas, doces, café e etc., a polícia nada daquilo vira, no tal revira ou maxixe familiar.
Encerrando a polêmica, o Diário de Pelotas dava por finda “esta questão. Não pode classificar como chefe de família quem consente, em sua casa, com sua esposa, uma bacanal de negros cativos”.
Embora não tenhamos elementos necessários para avaliar o que realmente aconteceu na casa do Nogueira, além dos ditos pela imprensa, a única cena que pode nos levar a pensar que o tal maxixe familiar virara uma bacanal, é a passagem em que a esposa deste fora encontrada no quarto do casal com “3 negras e um pardo livres”, portanto não era, caso fosse, uma “bacanal de negros cativos”. Fica-nos parecendo, isto sim, é que a censura por parte do Diário foi quanto ao Nogueira ter dado um maxixe familiar com a presença de negros e negras, livres e cativos.

Sapateiro esfaqueia a Periquita

Às 19 horas do dia 3 de julho de 1876, foi ferida, com duas ou três facadas, uma “dessas infelizes vítimas da prostituição”, de nome Maria Faustina dos Santos, vulgo Periquita.
Foi autor deste crime o português José Maria de Siqueira, homem de 28 anos, sapateiro de profissão, dado, segundo diziam, a maus costumes e ao vício da embriaguês.
Maria Faustina, a Periquita, morava em um quarto do botequim do Sr. Porfírio José da Costa Brasil, localizado à Rua General Osório.
José Maria, com quem Maria Faustina tinha relações, ali entrou e, por motivos fúteis, começaram a discutir. Das palavras passaram às ofensas físicas, resultando destas um primeiro ferimento na Periquita. Esta saiu para fora do quarto, dizendo que ia queixar-se à autoridade e, quando já estava na rua, passados poucos momentos, foi novamente agredida por José Maria que lhe desferiu mais algumas facadas, das quais uma próxima ao pulmão direito.
Encontrando-se na ocasião um policial da seção fixa, e tendo-se aglomerado muita gente, José Maria foi preso em fla grante delito e conduzido ao xadrez da polícia, onde pernoitou, passando no dia seguinte para a cadeia civil.
A agredida ainda teve forças para ir queixar-se ao subdelegado de polícia, que a mandou ao Dr. Maia, de quem recebeu os cuidados e curativos necessários.
Dia 4 de julho, na subdelegacia, fizeram o inquérito do réu e testemunhas.
José Maria negou o fato e alegou que estava embriagado; porém, ao mesmo tempo em que declarou de nada se lembrar, confessou que trazia uma faca “de tal e qual qualidade” que deixara no quarto da agredida.
As testemunhas foram unânimes em atribuir-lhe o delito.
Não era a primeira vez que José Maria maltratava a infeliz Maria Faustina. Há não muito fora preso por idêntico fato, mas de menor gravidade.
O médico que examinou a vítima não havia respondido aos quesitos que lhe foram apresentados, segundo entendimento do jornalista, deveria qualificar os ferimentos como leves.

                                                                                              Continua...



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*Extraído do livro, ainda inédito, A princesa do vício e do pecado

Um comentário:

  1. pois a ampulheta do tempo leva consigo estes fatos , outros e a história...a não ser pelos benévolos escribas, que se esforçam em registrá-los ,para nosso gaúdio...... ficariam perdidos na poeira do passado..!

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